ARA RY´APÚ TEKO-ASY (Tempos de pandemia)

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Aldeia Guarani/Kaiowá, Dourados (Mato Grosso do Sul, Brazil). Foto: Maximino Rodrigues
(Este é o primeiro texto na nossa serie COVID-19 in Latin America: Dispatches from the Southern Frontlines. )

Caros senhores, leitores e interessados desta situação que amedronta todos os povos desta terra, planeta água. Vivemos ao meio de tantas diversidades que hoje nos confundimos ate mesmo que povo somos nós, mesmo sendo os primeiros habitantes desta terra chamada de tekoha guasú (terra grande). Neste momento tão difícil e que assusta muito mais nosso povo indígena aqui na aldeia onde moramos.

Até o momento ainda de forma confusa não estamos compreendendo ainda o perigo que os brancos falam sobre essa doença batizada pelo homem de longe como COVID-19, assusta, incomoda, desorganiza nossa vivencia, desestrutura nossa família e de maneira lenta assola e mata lentamente aquilo que é de costume nosso chamado de Cultura e Tradição indígena guarani nhandewá.

Ainda confusa, nossos anciões, grande mestres e conhecedores das plantas tradicionais sem ter passado por uma academia superior, são nossas fontes de esperança para um futuro ainda promissor. Temos forças para ouvir instrumentos que os mesmos entoam e seus cantos em sussurro ou focal conseguem acalmar as sombras que tentam calar o que de fato Tupã-Nhanderú (Grande Deus) deu, para que esses mesmos sussurros possam acalmar a terra e ter controle sobre ela (terra). Somos um povo vivo, alerta para tudo, mas a ganância do branco fez com que o domínio da terra fosse destruído pela inteligência do ESTUDAR ate não conseguir mais o controle sobre a terra. Por isso quando se destroem o grande vasto das florestas e as águas são direcionadas a outros fins, como no caso das hidroelétricas todopoderosas, se está colaborando para a destruição da terra.

Aldeia Guarani/Kaiowá, Dourados (Mato Grosso do Sul, Brasil). Foto: Maximino Rodrigues

Mesmo assim, nossos caciques, pajés e lideres, ainda buscam de forma inteligente a manter o equilíbrio do local onde se mora. Sofremos ha séculos com discriminação, racismo, perdas de nossos territórios, rios e agora uma doença desconhecida que domina o homem em todos os cantos da terra chamada de COVID-19 e por nos indígenas guarani chamada de NHEMONDY´I-GUÃRA (Doença que somente assusta). De fato, aqui, as coisas não estão boas, mas famílias ainda procuram uma direção para que não se percam os direitos conforme nos rege a constituição de nosso pais. A doença entrou em nossa aldeia sem pedir permissão assim como ocorreu ha séculos passados que entraram invisivelmente nos dominando e tomando tudo o que era nosso por direito.

Nossa comunidade vem crescendo muito e a doença que assusta nosso povo também cresceu estrondosamente. É um dia difícil para todos aqui, estamos praticamente cercados por um segundo alambrado. O primeiro alambrado são nossas aldeias que são chamadas pelo governo de aldeia ou reserva, o segundo alambrado é essa doença chamada de Covid-19. As duvidas são muito grandes de que a doença foge do controle da sabedoria de nossos anciões. Os cuidados que deveríamos ter por direito já antes não era eram satisfatório e agora com toda a situação do virus ainda tornou-se muito mais dificultoso.

Aldeia Guarani/Kaiowá, Dourados (Mato Grosso do Sul, Brasil). Foto: Maximino Rodrigues

Continuaremos lutando com nossas armas, não armas de fogo ou armas brancas, mas sim com armas de sabedoria e equilíbrio mental que depositamos ainda em nossos anciões conhecedores do equilíbrio da terra e do mundo com cantos e sons de instrumentos que Nhanderú nos deu. Uma vez um ancião disse: “Kuimba´e hi´arandu va´era há ixupe ipaha árâ (O homem se confundira, criara e se destruira). Ele quis dizer que o homem criara situações que ele mesmo se confundira não tendo resposta, haverá somente um momento de mascaramento coisa paliativo. A vida pacata segue na aldeia mas com olhos arregalados para tudo, queremos somente paz, queremos somente viver, queremos somente ter liberdade para se locomover aos meios e ser respeitados como todos os “humanos”.

Vídeo gravado pelo cacique da aldeia Jaguapirú, documentando as tentativas fracassadas de comunicação para a remoção de uma paciente com sintomas de Covid-19 para um hospital público, que foi negada pelas autoridades.

Maximino Rodrigues
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é professor e coordenador pedagógico, especialista em Educação Escolar Indígena, Diretor da Escola Indígena Ramão Martins, Aldeia Guarani/Kaiowá, Dourados-MS. Graduado em Pedagogia com o tema Brincadeiras Lúdicas das Crianças Guarani e Kaiowá, Pós graduação em Gestão Integrada com ênfase em Administração, Coordenação, Inspeção, Supervisão e Orientação Educacional, e Literatura Africana, Indígena e Latina. ele também é co-autor, com Maria Thereza Alves, das instalações Um Vazio Pleno / A Full Void (Frestas Trienal, Sorocaba, São Paulo, 2017) e You Will Go Away One Day But I Will Not (Festival for Adventurous Music and Art, Berlin Botanical Gardens, 2020). Contato: maximinoguaranik@yahoo.com.br